Esta é uma das mais importante na aprendizagem de uma língua porque ela aperfeiçoa sua pronunciação, torna mais audíveis suas palavras e revelá-lhe um tesouro : A SABEDORIA.
"O saber dá o poder e o poder está no livro"
Vocês irão descobrir o mundo maravilhoso da lusófonia. Com a leitura, o estudante viaja no mundo inteiro, intercambia com outras pessoas. A literatura e a cultura sendo a identidade de um povo, vão confrontar-se com os diferentes estilos de poetas famosos tais como :
Grande promotora da leitura |
- Augusto Abelaira (1926 - 2003)
- Fialho de Almeida (1857 - 1911)
- Eugénio de Andrade (1923 - 2005)
- Sophia de Mello Breyner Andresen (1919 - 2004)
- João de Barros (1496 - 1570)
- Ruy Bello (1933 - 1978)
- Manuel Bernardes (1644 - 1710)
- Manuel Maria Barbosa de Boccage (usuel: Bocage) (1765 - 1805)
- Abel Botelho (1856 - 1917)
- Júlio Brandão (1869 - 1947)
- Raul Brandão (1867 - 1930)
- Luis de Camões (1525 - 1580)
- Camilo Castelo Branco (1825 - 1890)
- Eugénio de Castro (1869 - 1944)
- Ferreira de Castro (1898 - 1974)
- Manuel Pinheiro Chagas (1842 - 1895)
- Trindade Coelho (1861 - 1908)
- João de Araújo Correia (1899 - 1985)
- Natália Correia (1923 - 1993)
- Gonçalves Crespo (1846 - 1883)
- Júlio Dantas (1876 - 1962)
- Júlio Dinis (1839 - 1871)
- Florbela Espanca (1894 - 1930)
- António Feijó (1859 - 1917)
- António Ferreira (1528 - 1569)
- José Gomes Ferreira (1900 - 1985)
- Vergílio Ferreira (1916 - 1996)
- Branquinho da Fonseca (1905 - 1974)
- Arnaldo Gama (1828 - 1869)
- Sebastião da Gama (1924 - 1952)
- Correia Garção (1724 - 1773)
- Almeida Garrett (1799 - 1854)
- António Gedeão (1906 - 1997)
- Augusto Gil (1873 - 1929)
- José Gil (1939 - )
- João Grave (1872 - 1934)
- Alexandre Herculano (1810 - 1877)
- Guerra Junqueiro (1850 - 1923)
- Gomes Leal (1848 - 1921)
- Irene Lisboa (1892 - 1958)
- António Lobo Antunes (1942 - )
- Fernão Lopes (1380 - 1460)
- Afonso Lopes Vieira (1878 - 1946)
- José Agostinho de Macedo (1761 - 1831)
- Francisco Manuel de Melo (1608 - 1666)
- Pedro Homem de Melo (1904 - 1984)
- José Rodrigues Miguéis (1901 - 1980)
- Francisco Sá de Miranda (1485 - 1558)
- Luís de Sttau Monteiro (1926 - 1993)
- David Mourão-Ferreira (1927 - 1996)
- Fernando Namora (1919 - 1989)
- Vitorino Nemésio (1901 - 1978)
- António Nobre (1867 - 1900)
- Ramalho Ortigão (1836 - 1915)
- Joaquim Paço d'Arcos (1908 - 1979)
- Teixeira de Pascoaes (1877 - 1952)
- Fernando Pessoa (1888 - 1935)
- Alberto Pimentel (1849 - 1925)
- Fernão Mendes Pinto (1510 - 1583)
- José Cardoso Pires (1925 - 1998)
- Eça de Queiroz (1845 - 1900)
- Teixeira de Queiroz (1848 - 1919)
- Antero de Quental (1842 - 1891)
- Alves Redol (1911 - 1969)
- José Régio (1901 - 1969)
- Aquilino Ribeiro (1885 - 1963)
- Tomás Ribeiro (1831 - 1901)
- Mário de Sá-Carneiro (1890 - 1916)
- Jorge de Sena (1919 - 1978)
- António José da Silva (1705 - 1739)
- Miguel Torga (1907 - 1995)
- Gil Vicente (1465 - 1537)
- Richard Zimler (1956 - )
EIS ALGUNS TEXTOS
JOSE SARAMAGOCaim
Quem é você, Sou caim, sou o anjo que salvou a vida a isaac.
Não, não era certo, caim não é nenhum anjo, anjo é este que acabou de pousar
com um grande ruído de asas e que começou a declamar como um actor que tivesse
ouvido finalmente a sua deixa, Não levantes a mão contra
o menino, não lhe faças mal, pois já vejo que és obediente ao senhor, disposto,
por amor dele, a não poupar nem sequer o teu filho único, Chegas tarde, disse
caim, se isaac não está morto foi porque eu o impedi. O anjo fez cara de
contrição, Sinto muito ter chegado atrasado, mas a culpa não foi minha, quando
vinha para cá surgiu-me um problema mecânico na asa direita, não sincronizava
com a esquerda, o resultado foram contínuas mudanças de rumo que me
desorientavam, na verdade vi-me em papos-de-aranha para chegar aqui, ainda por
cima não me tinham explicado bem qual destes montes era o lugar do sacrifício,
se cá cheguei foi por um milagre do senhor, Tarde, disse caim, mais vale tarde
que nunca, respondeu o anjo com prosápia, como se tivesse acabado de enunciar
uma verdade primeira.
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JOSE GOMES FERREIRA
O Mundo dos Outros
Abaixo as Equações! Viva o Jogo da
Barra!
A mim foi
um professor de matemática quem me estragou a infância.
Era um
senhor alto, ventrudo, glabro, de lunetas cínicas e feições gelidamente
irónicas que olhava para nós como para feras de bibe e calção, capazes de, ao
mínimo descuido do domesticador, saltarem para o estrado, comerem-no vivo,
roubarem-lhe a caderneta, partirem-lhe o ponteiro na calva e escreverem no
quadro, a giz, a divisa libertadora: « Abaixo as equações! Viva o jogo
da barra!»
Para nos conter em respeito, todos os dias marcava zeros à
classe em peso. E quando algum aluno mais palidamente resoluto lhe respondia
com assanho, não se enxofrava nem se enfurecia. Pelo contrário, as lunetas
luziam-lhe mais cínicas. E, pingante de tranquilidade cruel, pegava num
ponteiro e entretinha-se a vergastar o pobre rapaz nos dedos, nos braços, na
cabeça, ao mesmo tempo que o supliciava com a sua voz fria.
Foi esse senhor quem me estragou a infância, repito,
impedindo-me de saborear os 14 anos possíveis de paraíso na terra. As suas
lunetas a sua voz cortante, o seu riso agreste, não me permitiam respirar em
liberdade a alegria de possuir pulmões.
A matemática, em vez de dar ordem e harmonia à minha pequena
alma dócil, enegrecia-a de raiva e de indisciplina.
Vivia aflito, humilhado, com uma pedra no peito; olhava para
o sol como se fosse uma chaga.
E, ao invés das crianças de todo o mundo que folgam pelo
menos uma hora por dia ao ar livre no pátio dos recreios, a admirarem o sol, as
nuvens, as árvores, como brinquedos maravilhosos, eu e os meus camaradas de
colégio sofríamos a nossa hora diária de penumbra magoada, as nossas férias de
tortura, naquela saleta negra, bafienta, com as carteiras riscadas a canivete e
um senhor cínico, de ponteiro em punho, a domesticar a nossa palidez de haver
matemática.
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MANUEL ALEGRE
O Homem do País-Azul
Os retratos
a óleo fascinam-me. E ao mesmo tempo assustam-me. Sempre tive medo que as
pessoas saíssem das molduras e começassem a passear pela casa. Para falar verdade,
estou convencido que isso aconteceu algumas vezes. Em certas noites,
quando eu era pequeno, ouvia passos abafados e tinha a sensação de que a casa
ficava subitamente cheia de presenças. Ainda hoje não gosto de atravessar os
longos corredores das velhas casas com grandes retratos pendurados nas paredes.
Há olhos que nos seguem do alto e nunca se sabe o que de repente pode
acontecer.
Havia na casa da tia Hermengarda um quadro deslumbrante.
Ficava ao cimo das escadas, à entrada do corredor que dava para os quartos de
dormir. Mesmo assim, rodeado de sombras, irradiava uma luz que só podia vir de
dentro da dama do retrato. Não sei se da blusa muito branca, se dos olhos, às
vezes verdes, às vezes cinzentos. Não sei se do sorriso, às vezes alegre, às
vezes triste. Eu parava muitas vezes em frente do retrato. Era talvez o único
que não me assustava. Creio até que dele se desprendia uma luz benfazeja, que
de certo modo me protegia.
Mas havia um mistério. Ninguém me dizia quem era a senhora do retrato. Arminda, a criada velha, benzia-se quando passava diante do quadro. Às vezes fazia figas e estranhos sinais de esconjuração. A prima Luísa passava sem olhar.
Um dia, farto já de tanto mistério e ralhete e, sobretudo, das gaifonas da Arminda e do ar empertigado da prima Luísa, não me contive e perguntei-lhe. ..
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Mas havia um mistério. Ninguém me dizia quem era a senhora do retrato. Arminda, a criada velha, benzia-se quando passava diante do quadro. Às vezes fazia figas e estranhos sinais de esconjuração. A prima Luísa passava sem olhar.
Um dia, farto já de tanto mistério e ralhete e, sobretudo, das gaifonas da Arminda e do ar empertigado da prima Luísa, não me contive e perguntei-lhe. ..
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MIGUEL TORGA
Os bichos
O pai queria fazer dele um homem. Por isso, mal o pequeno acabou a 4.ª classe em Pedornelo, Guimarães com ele!
Mas não havia padre Macário capaz de endireitar semelhante
criatura. Nem a puxões de orelhas e a golpes de régua se conseguia evitar que o
rapaz saltasse a toda a hora pelas janelas do colégio e desaparecesse pelas
serras a cabo, aos grilos. Trazia já o vício da terra; mas, com a idade, em vez
de a coisa melhorar, piorava.
De palha na mão, era vê-lo à torreira do sol. Metia a sonda
em cada agulheiro que encontrava, punha-se a esgravatar, a esgravatar, e o
pobre do habitante do buraco não tinha outro remédio senão vir à tona.
Só quando o estômago dava horas das grandes regressava a
casa com vinte ou trinta bichos daqueles. O reitor mandava-o ir ao gabinete,
punha-lhe a cara num pimentão, mas de pouco valia. No dia seguinte, lá fugia
ele outra vez.
Tinha o quarto transformado em viveiro. Em vez de retratos
de actrizes e de cowboys, gaiolas de todos os tamanhos dependuradas nas
paredes, com folhas de alface e de serradela metidas nas grades. E era num tal
cenário que o prefeito o encontrava - quando o encontrava -, abstracto,
alheado, fora do mundo.
- A lição?
- Estou a estudá-la...
Na aula a seguir é que a coisa se via: um estenderete!
Contudo, como inexplicavelmente na cadeira do Dr. Rodrigues
só tirava vintes, e o professor gozava de grande prestígio entre os colegas,
ano sim, ano não, lá passava. A nota de Zoologia podia muito. E os outros
mestres, apertados, davam o 10 e desabafavam:
- Vá lá... Como sabe tanto de grilos...
. No fim do
curso do liceu, Coimbra. Para médico. O pai sonhava com ele em Pedornelo a
curar maleitas.
Mas quando,
ao cabo de seis anos, o velho julgava que tinha ali o Paracelso dos Paracelsos,
a folha corrida do rapaz registava apenas uma enigmática distinção em ciências
naturais e reprovações no resto.
Deus não
quis, todavia, matar o santo homem com a punhalada duma desilusão. Nas
vésperas de o cábula regressar, mandou-lhe piedosamente uma broncopneumonia,
que o levou desta para melhor, juntamente com as esperanças que depositara no
filho.
E foi assim, herdeiro das ricas terras do pai, e com a Arca
de Noé sabida de cabo a rabo, que o Sr. Nicolau voltou definitivamente a
Pedornelo.
Andava então pelos trinta anos. Alto, seco, pálido,
delicado, veio pôr na veiga e nos montes da terra uma nota que até ali não
havia: a mancha lírica dum cidadão de guarda-sol branco a caçar bicharocos.
- O Sr. Nicolau passou bem?
- Bem,
muito obrigado, tio Armindo...
E abaixava-se a agarrar uma louva-a-deus. Tirava um frasco
do bolso, pegava na infeliz com mil cuidados, não lhe fosse quebrar um braço, e
bojo do vidro com ela.
A
princípio, todos arregalaram os olhos, num justo e desconfiado espanto. No
que dera o filho do Sr. Adriano Gomes! Mas apenas lhes arrendou, por umas
cascas de alho, os bens de que passara a ser dono, e o viram contente com a
transacção, mudaram de ideias e puseram-se a vender-lhe quantos insectos havia
nas redondezas. Bastava chegar ao pé dele e mostrar-lhe uma joaninha, para que
a comprasse logo por um tostão. De modo que semelhante maluqueira era uma mina,
vista por qualquer lado.
Só o mestre-escola, o velho Sr. Anselmo, que já na instrução
primária se vira e desejara para meter naquela cabeça tonta as contas de
multiplicar, se mostrava renitente na aceitação de tão grande desgraça. E,
quando acabou por dar o braço a torcer, foi desta maneira:
- Enfim, do mal o menos. Se lhe dá para coleccionar burros,
tínhamos a aldeia transformada numa estrebaria...
Mas o Sr.
Nicolau resistia a tudo. Às ironias do antigo professor e ao egoísmo do povo. E,
mal o sol apontava na serra de Alijó, lá ia ele pelos restolhos fora.
Vivia sozinho. Além da Gertrudes, que vinha de vez em quando
lavar-lhe a roupa e fazer-lhe um caldo, ninguém mais lhe entrava em casa, a não
ser pelo S. Miguel, na altura do pagamento das rendas. Viam-no então no
escritório, entre grandes armários, onde, desde as pulgas às carochas, dormiam
o sono eterno quantos seres a sua paciência e os seus vinténs conseguiram
agarrar em Pedernelo e cercanias.
Tinha-os em caixas de papelão, aos centos, em fila,
catalogados e suspensos num alfinete que lhes entrava nas costas e saía na
barriga. Havia-os de todos os tamanhos e de todas as cores possíveis. Grandes,
pequenos, pequeninos, amarelos, brancos, pretos, azuis, vermelhos, um ou dois
de cada qualidade e de quantas qualidades fora capaz a imaginação divina.
Calmamente, amorosamente, à medida que o tempo andava,
crescia o cemitério. E, calmamente, o coveiro, o Sr. Nicolau, ia envelhecendo
entre os mortos.
O seu mundo fechara-se ali, concêntrico, sem horizontes,
murado pelas estantes envidraçadas, onde o sonho se conservava em naftalina. As
nações desabavam, sucediam-se guerras, a própria aldeia oscilava nos gonzos.
Mas o senhor Nicolau, alheio às paixões humanas, continuava a povoar os dias de
libélulas e borboletas.
A certa
altura, o boateiro do Fagundes lançou a atoarda do próximo casamento do
lunático.
- E com
quem? - perguntou o professor, carregado de inocência.
Mas como
ninguém lhe soube dizer o nome da noiva, rematou ele:
- Talvez
com alguma lesma... E bem é. Fica tudo em família. . A balela foi por
assim dizer o derradeiro sinal que Pedornelo deu de que não se esquecera
inteiramente da vida social do Sr. Nicolau. Porque, apenas o mestre disse a
ironia, e todos acabaram de se rir à vontade, o desgraçado saiu da lembrança da
povoação. Logo a seguir, quando passavam, ou já nem o cumprimentavam, ou lhe
davam os bons-dias com o mesmo automatismo com que tiravam o chapéu, às
Trindades. Nem que ele atravessasse o largo com uma ruga funda e desesperada na
testa, se lembravam de o lamentar. O nome do amalucado, agora, significava o
mesmo que carrapato, ralo, formiga ou coisa assim.
Era um bicho. Um inofensivo bicho, igual aos milhares que
tinha no escritório embalsamados.
Às vezes, a
ruga tinha profundidade. Minava-o um desgosto tão verdadeiro como o de
qualquer vizinho aflito com os estragos de uma trovoada. Mas cinquenta anos de
alheamento colectivo tiravam-lhe o direito de ser compreendido por homens. Quem
podia admitir que fossem motivo de desespero a tenaz quebrada dum besoiro ou
qualquer sinal de traça numa bicha-cadela?! A sensibilidade de Pedornelo não
reagia aos estímulos de tão subtis calamidades. Ali, a respeito de sofrimento,
entender, só fome, febres e facadas.
Quis finalmente o Dr. Saul olhar aquele ser como habitante
da terra e criatura de Deus. Chamado à pressa pela Gertrudes, que fora
encontrar o velho encolhido como um feto no sofá do escritório, veio,
auscultou, tomou o pulso, pôs o termómetro, e resolveu por fim entrar pelo
corpo dentro do moribundo com uma agulha que lhe enterrou na espinha.
Mas o sr.
Nicolau, agora, estava de todo integrado no destino dos seus companheiros. Delirava.
Sentiu vagamente a dor na coluna, lembrou-se do que tinha feito aos milhares de
irmãos, e pensou:
- Má técnica... Era éter acético primeiro, e só então...
Oxalá não se esqueça ele ao menos de escrever no rótulo, correctamente, o meu
nome em latim...
E daí a nada, depois da última contracção, sereno e de olhos
fechados, ali ficou quieto e feliz, à espera que o metessem na sua caixa.
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VITORINO MENESIO
No exame do segundo grau fiquei distinto; o Abílio ficou suficiente. Uma tristeza! Compareceu de calça comprida, colete branco, a châtelaine de D.ª Claudina fazendo de corrente de relógio. Como roía nas unhas, o relógio era um descanso para encher o minuto de ignorância, atrapalhado com aquilo de - «Qual foi o rei que mandou plantar o pinhal de Leiria?».O Sr. Fontes, o professor das Cinco, que era membro do júri, bem cochichava de lá: -D. Dinis... D. Dinis!...» O Abílio, porém, doido por toiros, saíra-se com «D. Afonso IV, o Bravo» - e teve a raposa por um triz.Cá fora, esperavam-nos meu Pai e o dele ao lado do Sr. Professor.O mestre não me disse nem palavra; mas a ele não o largou:- Este cabeça de boga, que me vai estragar os resultados!O pai do Abílio estava com vergonha do filho, com raiva ao filho, com raiva ao Sr. Professor, com pena de si, do Sr. Professor e do filho:- Pedaço de mariola! (Olha como tens esse colarinho!). E fazer-me gastar um dinheirão, para ver isto!- Este cabeça de boga, pôr-me uma nódoa na pauta! - teimava o Sr. Professor.O pai do Abílio agachara-se um pouco para lhe limpar as lágrimas, mas carregava no lenço e obrigava-o a assoar-se sem precisão nenhuma:- Força!... O toleirão, que era o primeiro em decimais! (Ó pequeno, não chores, que o Sr. Professor manda na escola, e em ti quem manda sou eu!)Mas o Abílio chorava mordido e com os olhos raiados de sangue. Quando proclamaram os resultados, o Sr. Professor abrandou.
- Abílio Cardoso de Aguiar, suficiente. Mateus Queimado Gomes de Meneses, óptimo.Meu Pai deu um beijo no Abílio antes de me beijar a mim. O pai do Abílio apertou solenemente a mão a meu Pai:- Ah, Sr. Meneses! Que consolação, um filho assim!Estávamos todos mais ou menos vexados; só o Abílio deixou de chorar. Não se sabia bem se por escapar à raposa, se por qualquer outra coisa. Num ímpeto de todo o seu ser atirou-me os braços e disse-me:- Ó Mateus, ainda bem!E foi nos olhos dele que eu me senti distinto...
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MIGUEL TORGA
Novos contos da Montanha
De sacola e bordão, o
velho Garrinchas fazia os possíveis por se aproximar da terra. A necessidade
levara-o longe de mais. Pedir é um triste ofício. E ali vinha de mais uma
dessas romarias, bem escusadas se o mundo fosse doutra maneira. Muito embora
trouxesse dez réis no bolso e o bornal cheio, o certo é que já lhe custava a
arrastar as pernas. Derreadinho! Podia, realmente, ter ficado em Loivos. Dormia
e, no dia seguinte, de manhãzinha, punha-se a caminho. Mas quê! Metera-se-lhe
em cabeça consoar à manjedoira nativa... E caía o algodão em rama! Caía, sim
senhor! Bonito! Felizmente que a Senhora dos Prazeres ficava perto. Apressou
mais o passo, fez ouvidos de mercador à fadiga, e foi rompendo a chuva de
pétalas. Com patorras de elefante e branco como um moleiro, ao cabo de meia
hora de caminho chegou ao adro da ermida. À volta não se enxergava um palmo
sequer de chão descoberto. Calados, os penedos lembravam penitentes. O problema
estava em chegar lá. O raio da serra nunca mais acabava, e sentia-se cansado.
Setenta e cinco anos, parecendo que não, são um carrego. Não havia que ver: nem
pensar noutro pouso. E dar graças! (...)